quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Tortura


Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
– E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...
Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
– E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento...
São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!
Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!

Florbela Espanca

terça-feira, 21 de setembro de 2010

domingo, 25 de julho de 2010

Simples como qualquer palavra - O Teatro Mágico

Palavra, tenho que escolher a mais bonita
Para poder dizer coisas do coração
Dar a letra de quem lê
Toda palavra escrita ou rabiscada
No joelho, guardanapo ou chão
Ponto pula linha travessão
E a palavra vem
Pequena, querendo se esconder no silêncio
Querendo se fazer de oração
Baixinha como a altura da intenção e na insegurança
Vírgula, parênteses, exclamação
Ponto pula linha travessão
E a palavra vem ...
Vem sozinha
Que a minha frase invento pra te convencer
Vem sozinha ...
Se o texto é curto aumento pra te convencer
Palavra, simples como qualquer palavra
Como qualquer palavra

quarta-feira, 23 de junho de 2010

A Tartaruga e a Libélula - Rubem Alves


Uma libélula recém nascida, que pairava as suas leves asas sobre a água transparente do ribeirão, viu imóvel sobre uma pedra, uma tartaruga que tomava banho de sol. Espantada diante de uma criatura tão feia, pousou sobre uma folha de capim a fim de ver melhor. A tartaruga, achando que a libélula a estava admirando, começou a falar:
- Olá – disse ela.
A libélula levou um susto.
- Pensei que você estivesse morta, de tão parada.
- Já fui como você, minha criança, muito agitada, mas aprendi que é perigoso viver assim. Em você tudo é esbanjamento: asas vibrando, ir e vir nas costas do vento, voar sem cessar. Mas tudo isso faz mal. Quem se mexe muito morre logo. A vida é como a vela: há de se economizar para durar mais. Minha filosofia é simples: nunca ficar de pé, quando posso ficar deitada. Para simplificar, fico sempre deitada…
A libélula espantada de que alguém pudesse viver assim, ia perguntar se a vida vale a pena. Mas não deu tempo porque a tartaruga continuou a falar:
- Você ainda não aprendeu a lição do peso. Para se voar é preciso ser leva. Mas tudo o que é leve é frágil. As crianças gostam de empinar papagaios. Mas para subir no vento, eles têm de ser feitos com varetas finas de bambú e papel de seda. Por isso, acabam quase sempre enroscados em algum galho de árvore. Mas você nunca viu uma tartaruga enroscada num galho de árvore. Estão fora dos enroscos porque não se metem a voar, porque são muito pesadas e por isso ficam sempre junto ao chão. Somos prudentes. Voar é perigoso, exige leveza e fragilidade. Isso é coisa que fascina as crianças, mas não os adultos. Os adultos são graves. E grave é aquilo que respeita a lei da gravidade e gosta de ir para baixo. Como eu. Os adultos quando querem elogiar alguém dizem que ele é uma pessoa de peso. O contrário de peso? Leveza, bexiga solta no espaço. Quando se diz que alguém é leviano, isso não é um elogio, é uma ofensa. Leviano é quem não leva as coisas a sério, como as crianças. Quanto mais adultas, mais parecidas comigo.
A libélula ia dizer que ser leve é coisa muito gostosa, porque dá sempre uma enorme vontade de rir, mas se calou, com medo de ser acusada de leviana. A tartaruga não entenderia.
- E há também a necessidade de defesas – continuou a tartaruga – Veja o seu corpo, fino como um palito. O bico de qualquer pássaro pode cortá-lo ao meio. E suas asas? Lindas e fracas. Veja agora a minha carapaça. Nem martelo consegue quebrá-la. Você é mole, eu sou dura. Mole são as crianças, os palhaços, os poetas, os artistas. Duros são os generais, os banqueiros, os policiais, as pessoas importantes. Quando as crianças deixam de ser uma libélula para se tornarem uma tartaruga, os adultos dizem que elas ficaram maduras. Na verdade o que querem dizem é que ficaram armaduras. Coisa madura é coisa mole, gostosa, boa de se comer e se descuidar apodrece e acaba. Já a armadura é coisa que vara os séculos. Como eu, impenetrável, constante, sempre a mesma. Digna de confiança. Serei amanhã o que sou hoje. Quanto a você, não sei onde estará. As coisas leves passam. As duras permanecem. Ninguém diz que Deus é vento ou nuvem. Mas dizem que é rocha e fortaleza. Claro que as armaduras criam certos problemas. Fica difícil para brincar, pular, abraçar… Mas é o preço da sobrevivência.
Mas, as coisas não são tão seguras quanto parecem. O tempo e a água haviam feito crescer sobre a dura pedra em que a tartaruga se encontrava, uma lisa e escorregadia camada de limo. E um mísero, quase invisível mosquitinho entrou no nariz da tartaruga, o que lhe provocou um enorme espirro. Com o espirro a tartaruga escorregou e caiu, casco para baixo, perninhas para cima. Se fosse uma libélula ou uma coisas mais leve, teria sido fácil desvirar. Mas ela era pesada demais. Ficou presa de suas próprias defesas. As vezes, as armaduras se transformam em armadilhas. E lá ficou ela, indefesa, até que alguém a levou e a transformou em sopa deliciosa.
A libélula então voou ao sabor do vento, feliz de que ela fosse assim,
sem armaduras, tão leve e tão frágil…




Autoria: Rubem Alves

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Alma - Arnaldo Antuens


Alma, deixa eu ver sua alma
A epiderme da alma, superfície.
Alma, deixa eu tocar sua alma
Com a superfície da palma da minha mão, superfície
Easy, fique bem easy, fique sem nem razão
Da superfície livre
Fique sim, livre
Fique bem com razão ou não, aterrize
Alma, isso do medo se acalma
Isso de sede se aplaca
Todo pesar não existe
Alma, como um reflexo na água
Sobre a última camada
Que fica na superfície, crise
Já acabou, livre
Já passou o meu temor do seu medo
Sem motivo, riso, de manhã, riso de neném
A água já molhou a superfície
Alma, daqui do lado de fora
Nenhuma forma de trauma sobrevive
Abra a sua válvula agora
A sua cápsula alma
Flutua na superfície lisa, que me alisa, seu suor
O sal que sai do sol, da superfície
Simples, devagar, simples, bem de leve
A alma já pousou na superfície

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Meu coração - Arnaldo Antunes


meu coração
bate sem saber
que meu peito é uma porta
que ninguém vai atender

quem sente
agora está ausente
quem chora
agora está por fora
quem ama
agora está na cama
doente
só corre e nunca chega na frente
se chega é pra dizer: vou embora
sorriso não me deixa contente

e todas as pessoas que falam
pra me consolar
parecem um bocado de bocas
se abrindo e fechando
sem ninguém pra dublar
eu já disse adeus
antes mesmo de alguém me chamar
não sirvo pra quem dá conselho
quebrei o espelho
torci o joelho
não vou mais jogar

meu coração
bate sem saber
que meu peito é uma porta
que ninguém vai atender

sexta-feira, 28 de maio de 2010

terça-feira, 18 de maio de 2010

Eu quero enfeitar você - Vanessa da Mata


Eu não quero esse poder
Toma ele pra você
eu só quero cantar, gozar e gastar da vida
Eu só quero um cafuné e
cobertor de orelha fixo, nesse inverno tão rígido
fingir que acredito em você

Eu quero enfeitar você,
Eu quero enfeitar você,
Eu quero enfeitar...

Eu só quero me perder
Eu não quero esse poder
Chamar o sapo de príncipe
Como eu e você de manhã
Quando tudo parecer estar quase perdido
que foi quase esquecido, que não é mais minha maçã
hum...
Eu só quero um cafuné e
cobertor de orelha fixo, nesse inverno tão rígido
fingir que acredito em você

Eu quero enfeitar você
Eu quero enfeitar você
Eu quero enfeitar...

Eu quero enfeitar você
Eu quero enfeitar você
Eu quero enfeitar...

quarta-feira, 12 de maio de 2010

A dor que dói mais


Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dóem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Dóem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.

Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.

Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.

Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.  

Martha Medeiros

segunda-feira, 10 de maio de 2010

A serenata -Adélia Prado


Uma noite de lua pálida e gerânios
ele viria com boca e mãos incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobo
o que não for natal como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?

quinta-feira, 6 de maio de 2010

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Pra você guardei o amor - Nando Reis


Pra você guardei o amor
Que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar
E repartir
Pra você guardei o amor
Que sempre quis mostrar
O amor que vive em mim vem visitar
Sorrir, vem colorir solar
Vem esquentar
E permitir
Quem acolher o que ele tem e traz
Quem entender o que ele diz
No giz do gesto o jeito pronto
Do piscar dos cílios
Que o convite do silêncio
Exibe em cada olhar
Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar
Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar
Pra você guardei o amor
Que aprendi vendo meus pais
O amor que tive e recebi
E hoje posso dar livre e feliz
Céu cheiro e ar na cor que arco-íris
Risca ao levitar
Vou nascer de novo
Lápis, edifício, tevere, ponte
Desenhar no seu quadril
Meus lábios beijam signos feito sinos
Trilho a infância, terço o berço
Do seu lar
Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar
Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar
Pra você guardei o amor
Que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar
E repartir
Quem acolher o que ele tem e traz
Quem entender o que ele diz
No giz do gesto o jeito pronto
Do piscar dos cílios
Que o convite do silêncio
Exibe em cada olhar
Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar
Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Socorro - Alice Ruiz


Socorro, eu não estou sentindo nada.
nem medo, nem calor, nem fogo,
n ão vai dar mais pra chorar
nem pra rir.

socorro, alguma alma, mesmo que penada,
me empreste suas penas.
já não sinto amor nem dor,
já não sinto nada.

socorro, alguém me dê um coração,
que esse já não bate nem apanha.
por favor, uma emoção pequena,
qualquer coisa que se sinta,
tem tantos sentimentos,
deve ter algum que sirva.

socorro, alguma rua que me dê sentido,
em qualquer cruzamento,
acostamento, encruzilhada,
socorro, eu já não sinto nada.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

O amor é um rock - Tom Zé


-Jasão chora os filhos mortos:
Se você tá procurando amor
Deixe a gratidão de lado:
O que que amor tem que ver
Com gratidão, menino,
Que bobagem é essa?

- Dr. Burgone:
O amor é egoísta,

-Coro de Medéia:
Sim – sim – sim,
Tem que ser assim.

-Dr. Burgone:
O amor, ele só cuida
-Coro de Medéia:
Si – si – si
Só cuida de si.

-Dr. Burgone:
Então quer dizer que o amor é mesmo sem caráter?
-Coro de Medéia:
Sim – sim – sim – sim
Tem que ser assim,

-Dr. Burgone:
E sem caráter, de quem é que ele cuida?
-Coro de Medéia:
Si – si – si
Só cuida de si.

- Medéia, Ariadne e Electra:
Sem alma, cruel, cretino,
Descarado, filho da mãe,
O amor é um rock
E a personalidade dele é um pagode.

-Canto de Ofélia:
Meu primeiro amor
Tão cedo acabou
Só a dor deixou
Neste peito meu.

Meu primeiro amor
Foi como uma flor
Que desabrochou
E logo morreu.
Nesta solidão,
Sem ter alegria
O que me alivia
São meus tristes ais.

São prantos de dor
Que dos olhos saem
Pois que eu bem sei
Quem eu tanto amei
Não verei jamais.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Medo - Lenine


Tienen miedo del amor y no saber amar
Tienem miedo de la sombra y miedo de la luz
Tienem miedo de pedir y miedo de callar
Miedo que da miedo del miedo que da

Tienem miedo de subir y miedo de bajar
Tienem miedo de la noche y miedo del azul
Tienem miedo de escupir y miedo de aguantar
Miedo que da miedo del miedo que da

El miedo es una sombra que el temor no esquiva
El miedo es una trampa que atrapó al amor
El miedo es la palanca que apagó la vida
El miedo es una grieta que agrandó el dolor

Tenho medo de gente e de solidão
Tenho medo da vida e medo de morrer
Tenho medo de ficar e medo de escapulir
Medo que dá medo do medo que dá

Tenho medo de ascender e medo de apagar
Tenho medo de esperar e medo de partir
Tenho medo de correr e medo de cair
Medo que dá medo do medo que dá

O medo é uma linha que separa o mundo
O medo é uma casa aonde ninguém vai
O medo é como un laço que se aperta em nós
O medo é uma força que não me deixa andar

Tienem miedo de reir y miedo de llorar
Tienem miedo de encontrarse y miedo de no ser
Tienem miedo de decir y miedo de escuchar
Miedo que da miedo del miedo que da

Tenho medo de parar e medo de avançar
Tenho medo de amarrar e medo de quebrar
Tenho medo de exigir e medo de deixar
Medo que dá medo do medo que dá

O medo é uma sombra que o temor não desvia
O medo é uma armadilha que pegou o amor
O medo é uma chave, que apagou a vida
O medo é uma brecha que fez crescer a dor

El miedo es una raya que separa el mundo
El miedo es una casa donde nadie va
El miedo es como un lazo que se apierta en nudo
El miedo es una fuerza que me impide andar

Medo de olhar no fundo
Medo de dobrar a esquina
Medo de ficar no escuro
De passar em branco, de cruzar a linha
Medo de se achar sozinho
De perder a rédea, a pose e o prumo
Medo de pedir arrego, medo de vagar sem rumo

Medo estampado na cara ou escondido no porão
O medo circulando nas veias
Ou em rota de colisão
O medo é do Deus ou do demo
É ordem ou é confusão
O medo é medonho, o medo domina
O medo é a medida da indecisão

Medo de fechar a cara, medo de encarar
Medo de calar a boca, medo de escutar
Medo de passar a perna, medo de cair
Medo de fazer de conta, medo de dormir
Medo de se arrepender, medo de deixar por fazer
Medo de se amargurar pelo que não se fez
Medo de perder a vez

Medo de fugir da raia na hora H
Medo de morrer na praia depois de beber o mar
Medo... que dá medo do medo que dá
Miedo... que da miedo del miedo que da

sábado, 20 de março de 2010

Isso não vai ficar assim - Itamar Assumpção


Rosas, crisântemos, cravos e jasmins
Brancas margaridas nos jardins
Borboletas, mil cores nos pólens das flores
Porém, isso não vai ficar assim, meu bem
Isso não vai ficar assim
Bichos, bichas, punk, anjos, querubins
Iansã, Deus, tupã, eu, tudo enfim
Peter-Pan, pó de pirlimpimpim
Também, isso não vai ficar assim, meu bem
Isso não vai ficar assim
Por isso beije-me
Tudo se for bom, neca se for ruim
Colibris, carnavais, vocais, corais
Rês, camponês, vocês, cobras e cupins
Porém, isso não vai ficar assim, meu bem
Isso não vai ficar assim
Nossos filhos, nossas filhas
Vidas individuais mortais
Também nem mais do que seus pobres pais
Pintam, bordam, fazem quase tudo, podem
Porém, isso não vai ficar assim, meu bem
Isso não vai ficar assim
Por isso beije-me
Como se fosse esta noite a última vez

terça-feira, 2 de março de 2010

Longe - Arnaldo Antunes


Onde é que eu fui parar?
Aonde é esse aqui?
Não dá mais pra voltar
Por que eu fiquei tão longe?
Longe...
Onde é esse lugar?
Aonde está você?
Não pega celular
E a terra está tão longe
Longe...
Não passa um carro sequer
Todo comércio fechou
Não tem satélite algum transmitindo
notícias de onde eu estou
Nenhum email chegou
Nem o correio virá
E eu entre quatro paredes sem porta
ou janela pro tempo passar
Dizem que a vida é assim
Cinco sentidos em mim
Dentro de um corpo fechado
no vácuo de um quarto no espaço sem fim
Aonde está você?
Por que é que você foi?
Não quero te esquecer
Mas já fiquei tão longe
Longe...
Não dá mais pra voltar
E eu nem me despedi
Onde é que eu vim parar?
Por que eu fiquei tão longe?
Longe, longe, longe, longe
Longe, longe, longe
Seis, cinco, quatro, três, dois, um.