domingo, 5 de julho de 2009

Nietzsche

“Dizei-me: como alcançou o ouro o mais alto valor? E porque é raro e inútil, de brilho cintilante e brando: dá-se sempre.
Só como símbolo da mais alta virtude o ouro alcançou o mais alto valor. É como o ouro, reluzente, o olhar daquele que dá. O brilho do ouro firma a paz entre a lua e o sol.
A mais alta virtude é rara e inútil: é resplandecente e de um brilho brando: uma virtude dadivosa é a mais alta virtude.
Em verdade vos adivinho, meus discípulos: vós aspirais como eu à virtude dadivosa. Que podereis ter de comum com os gatos e com os lobos?
A vossa ambição é querer converter-vos, vós mesmos, em oferendas e presentes. Por isso desejais acumular todas as riquezas em vossas almas.
A vossa alma anela insaciavelmente tesouros e jóias, porque é insaciável a vontade de dar da vossa virtude.
Obrigais todas as crises a aproximarem-se de vós e a penetrar em vós outros, para tornarem a emanar da vossa fonte como os dons do vosso amor.
Em verdade, é preciso que tal amor dadivoso se faça saqueador de todos os valores; mas eu chamo são e sagrado esse egoísmo.
Há outro egoísmo, um egoísmo demasiado, pobre e famélico, que quer roubar sempre: o egoísmo dos doentes, o egoísmo enfermo.
Com olhos de ladrão olha tudo o que reluz, com a aridez da fome mede o que tem abundantemente que comer, e sempre se arrasta à roda da mesa do que dá.
A doença é uma invisível degeneração, eis o que tal apetite demonstra; a avidez de roubo desse egoísmo apregoa um corpo valetudinário.
Dizei-me, meus irmãos: qual é a coisa que nos parece má, a pior de todas? Não é a degeneração? E pensamos sempre na degeneração quando falta a alma que dá.
O nosso caminho é para cima: da espécie à espécie superior; mas o sentido que degenera, o sentido que diz: “Tudo para mim”, assombra-nos.
O nosso sentido voa para cima, assim o símbolo do nosso corpo é símbolo de uma elevação. Os símbolos dessas elevações são os nomes das virtudes.
Assim atravessa o corpo a história, lutando e elevando-se. E o espírito que é para o corpo? É o arauto das suas lutas e vitórias, o seu companheiro e o seu eco.
Todos os nomes do bem e do mal são símbolos; não falam, limitam-se a fazer sinais. Louco é o que lhes quer pedir o conhecimento.
Meus irmãos, estai atentos às ocasiões em que o vosso espírito quer falar em símbolos: assistis então à origem da vossa virtude.
Então é quando o vosso corpo se elevou e ressuscitou; então arrebata o espírito com os seus transportes para que se faça criador e apreciador e amante, benfeitor de todas as coisas.
Quando o nosso coração se agita, amplo e cheio, como o grande rio, bênção e perigo dos ribeirinhos, então assistis à origem da vossa virtude.
Quando vos elevais acima do louvor e da censura, e quando a vossa vontade, como vontade de um homem que ama e quer mandar em todas as coisas, então assistis à origem da vossa virtude.
Quando desprezais o que é agradável, a cama fofa, e quando nunca vos credes bastante longe da moleza para repousar, então assistis à origem da vossa virtude.
Verdadeiramente é um novo bem e mal! Verdadeiramente é um novo murmúrio profundo e a voz de um manancial novo!
Essa nova virtude é poder; um pensamento reinante e em torno desse pensamento uma alma sagaz: um sol dourado, e em torno dele a serpente do conhecimento”.
Assim falava Zaratustra

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